Faz hoje dois anos que estava a estudar para a minha penúltima cadeira do curso - Direitos Fundamentais. O Professor Jorge Reis Novais, conceituado constitucionalista e regente da cadeira, havia-me permitido adiar a realização do meu exame oral. Isto porque, numa outra ocasião em que se sobrepuseram vários exames escritos e orais, não acedeu ao meu pedido, acabando tal, por resultar naquelas fatídicas palavras - 8 de oral, 8 final... Quando fui realizar a oral pela segunda vez, o Professor, após conversa com um outro aluno, meu amigo, que foi assistir à minha prova e estava prestes a entrar para docente da Faculdade de Direito de Lisboa, pergunta-me:
- Então, está preparado para a sua oral?
E eu, ali na fila da frente do anfiteatro 5, de fato e gravata, Constituição à frente, garrafa de água na mão, já amachucada do seu uso de "stress ball" respondo nervoso:- Então, está preparado para a sua oral?
- Preparado, preparado, não estou... mas tem que ser...
Responde-me o Professor:
- Na outra vez, não lhe consegui adiar a oral, mas desta vez, se quiser, há um colega seu que vai realizar para a semana, no dia 6 de Outubro, 3.ª Feira, pelo que não há qualquer inconveniente se realizar o seu exame nessa data.
- Se não for inconveniente para o Senhor Professor, prefiro preparar-me melhor para a prova. Faltam-me duas cadeiras e toda a preparação é pouca.
- Então fica marcado para a próxima semana. Qual é a outra cadeira?
- Direito das Sucessões.
- Bom estudo e prepare-se bem.
O Professor Reis Novais havia sido implacável comigo na outra oral que me havia realizado. Comigo e com os meus colegas. Em 11 pessoas, passaram 2, uma delas, fruto de muita astúcia por parte da colega. Outros, mesmo sendo a última cadeira do curso, não tiveram a mesma sorte. Um Professor exigente, mas justo. Não requer apenas o estudo. Requer a sensibilidade jurídica, a análise no caso concreto...
Na véspera de realização da oral (dia 5 de Outubro), o filho de um dos meus melhores amigos faz anos e, um dos problemas que eu fui tendo ao longo do curso, foi a falta de compreensão dos meus amigos e familiares para o tempo que eu necessitava para mim. Disse não muitas vezes, e ali, como já estava mais ou menos preparado (nunca se está a 100%!), disse que não iria à festa de aniversário às 16h, como estava combinado, mas que iria mais tarde. A festa era uma espécie de lanche no Parque da Cidade, com miúdos e graúdos. Por volta das 17h e tal, lá fui eu. Vesti umas calças de ganga e um t-shirt, muito simples, por forma a perder o menos tempo possível. Lá cheguei, lá estive um pouco, até que comecei a olhar para o lado e, só estava eu, o meu amigo, a esposa, os miúdos e alguns velhotes, assim como uma quantidade de coisas para levantar. Não fui capaz de me ir embora sem ajudar. E assim foi... tudo colocado em tupperware, lá fiz a 1.ª de duas viagens carregado com sacos para o meu carro, sendo que na 1.ª, reparei que havia estacionado ao lado do meu carro, um carro de uma conceituada marca alemã, não pude deixar de reparar. Na 2.ª viagem, levo um saco em cada mão, óculos escuros na cabeça e vejo alguém a aproximar-se de mim, com um equipamento de jogging e phones, vindo de uma corrida...- Senhor Professor, como está? Não sabia que era de Almada...
Cumprimento eu, pousando os sacos e pensando para mim, estás lixado (para não dizer outra coisa...). Véspera de um exame importantíssimo, que o Professor tinha permitido adiar para eu me poder preparar melhor, e encontra-me ali, vindo de um picnic, ar desportivo, óculos escuros na cabeça, como que eu tivesse estado ali a tarde toda... Estou f...lixado!
- Sim, sim, sou daqui...- Não fazia ideia. Vim para aqui em 75, de Luanda...
Um gajo quando é apanhado numa situação destas, diz com cada coisa que não lembra ao diabo...
- Eu vim para cá em 82!
- Também veio de Luanda?! Pergunto...
- Não, não! De Coimbra! Eu sou de Coimbra...
E eu a pensar cá para mim - Ai Algures Alexandre que só te enterras...
- Então, está preparado para amanhã?- Com certeza Professor. Já estava a semana passada e estive o fim de semana todo a estudar, agora vim só aqui dar um abraço a um amigo cujo filho faz anos...
Nisto, aparece o meu amigo que não fazia a mínima ideia com quem eu estava a falar e pergunta-me:
- Algures, não te importas de ir levar a minha mãe a casa?
- Não, não... não te preocupes... Respondi.
Pensei, amanhã já fui à vida...ou a coisa corre lindamente ou após uma destas, passei à história. Como é possível que venha a este parque uma quantidade de vezes e nunca encontrei cá o Professor. Agora, no espaço de uma hora e pouco que aqui estou, numa quantidade de lugares existentes em dois parques, estacionou o carro ao lado do meu e encontro-o nesta situação. Só a mim...
- Senhor Professor, tenho que ir... Gosto em vê-lo...
Aperto-lhe a mão e despeço-me com um - até amanhã!
- Então bom estudo e até amanhã! Responde-me o Professor apertando-me a mão.
Escusado será dizer que no percurso de ir levar a mãe do meu amigo e no regresso a casa só pensava nas minhas respostas "parvas" e no que me havia acontecido.
Dia 6 de Outubro, 11 da manhã, Exame oral de cerca de 30 minutos, sou apertado, mas a coisa corre bem e o Professor, foi correcto. Não me beneficiou, mas também não me prejudicou. Fez um exame isento e oiço no final:
- Tem 11 de oral, 11 final. Parabéns! Quando vai fazer o exame oral de Sucessões?
- Ainda estou à espera que me marquem Senhor Professor.
- Então felicidades para o futuro. E estende-me a mão. Cumprimento-o e agradeço:
- Muito obrigado Senhor Professor.
Fiquei radiante como é óbvio e, nunca me esqueci do Professor Jorge Reis Novais, desta história e de todas as outras "coincidências" que aconteceram quando tinha poucas cadeiras para acabar o curso. Senti que tinha, para além da minha família, amigos e colegas, alguém a dar-me uma força extra. E se calhar tive mesmo...
Coincidências ou talvez não...