domingo, 25 de março de 2012

Quando Falo com Sinceridade não sei com que Sinceridade Falo


"Não sei quem sou, que alma tenho. 
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou váriamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpétuamente me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada [?], por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço. "

Fernando Pessoa, in 'Para a Explicação da Heteronímia'

2 comentários:

AC disse...

Todos somos várias personagens, mesmo sem recorrer a heterónimos, somos uma personagem no local de trabalho, outra em privado para os amigos e família, e ainda outra para quem nos conhece de longe.:)

Algures disse...

Acima de tudo temos de nos adaptar às situações e aos momentos... :-)