segunda-feira, 1 de abril de 2013

AMORES DECLARADOS - Excerto - Miguel Esteves Cardoso

Fazer um registo de propriedade é chato e difícil mas fazer uma declaração de amor ainda é pior. Ninguém sabe como. Não há minuta. Não há sequer um despachante ao qual o premente assunto se possa entregar. As declarações de amor têm de ser feitas pelo próprio. 

A experiência não serve de nada – por muitas declarações que já se tenham feito, cada uma é completamente diferente das anteriores. No amor, aliás, a experiência só demonstra uma coisa: que não tem nada que estar a demonstrar coisíssima nenhuma. É verdade –começa-se sempre do zero. Cada vez que uma pessoa se apaixona, regressa à suprema inocência, inépcia e barbárie da puberdade. Sobem-nos as bainhas das calças nas pernas e quando damos por nós estamos de calções. A experiência não serve de nada na luta contra o fogo do amor. Imaginem-se duas pessoas apanhadas no meio de um incêndio, sem poderem fugir, e veja-se o sentido que faria uma delas virar-se para a outra e dizer: "Ouve lá, tu que tens experiência de queimaduras de primeiro grau...".


"Pode ter-se sessenta anos. Mas no dia em que o peito sacode com as aurículas a brincar aos carrinhos-de-choque com os ventrículos, Deus Nosso Senhor carrega no grande botão "CLEAR"que mandou pôr na consola consoladora dos nossos corações. Esquece-se tudo. Que garfousar com o peixe. Que flores comprar. Que palavras dizer. Que gravata com que raio de casaco hei-de usar? Sabe-se nada. Nicles. Olha-se para as mãos e parece uma cena de transformação dum filme de lobisomens – de onde outrora havia aqueles dedos tão ágeis e pianistas, brotam dez abortos de polegares. E o vinho entorna-se só de pensar nisso. E as solas dos sapatos passam a atrair magneticamente todos os excrementos caninos da cidade. E a voz que era toda FM Estéreo da Comercial quando vai para dizer "Gosto muito de ti" fica repentinamente Abelha Maia.


Tenha-se 17 ou 71 anos, regressa-se automaticamente aos 13 – à terrível idade do Clearasil e das sensações como que de absorção. Quem se apaixona dá mesmo saltos no ar e diz "Uau!" quando o Pai deixa usar a pasta de dentes dele. Qual "ternura dos quarenta", qual bota da tropa cheia de minhocas! O amor é sempre uma anormalidade que provoca graves atrasos mentais. (…)Dir-se-á que esta insegurança é irritante. Se calhar é diferente nos homens e nas mulheres. Um homem pode ser amado por cem mulheres bonitas e no dia em que uma feia lhe vira a cara desaba-se-lhe a confiança. Acha que as outras cem é que estavam enganadas e que só esta percebeu finalmente que ele não prestava para absolutamente nada. A uma mulher, em contrapartida, basta ser amada uma única vez para achar que os cem homens que a rejeitam são simplesmente parvos que não sabem o que perdem.(…)Na verdade, não há amor sem insegurança. Quem tem a certeza de ter quem quer, ou não tem, ou não quer grande coisa. A "segurança" é mais para desodorizantes do que para paixões. 


"E se alguém vier para lhe oferecer flores e se estampar no chão à sua frente fracturando a cana do nariz e espirrando sangue para cima do seu vestido de seda branca... você sabe que é Impulse.".

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