domingo, 12 de fevereiro de 2012

Como se faz uma declaração de amor? Miguel Esteves Cardoso

Mas então como se faz uma declaração de amor? Em papel selado, na presença de um advogado. Por que não? As piores declarações são as pífias e clandestinas, do género «Acho-te uma pessoa muito interessante». As melhores são aquelas que comprometem quem as faz, que se baseiam em provas capazes de serem apresentadas em tribunal, que fazem corar as testemunhas. As declarações do tipo «Experimentar-a-ver-se-dá» nunca dão. É melhor mandar imprimir 2000 folhetos e distribuí-los por avioneta à população, devidamente identificados, do que um bilhetinho anónimo de «um admirador». As declarações de amor têm de cortar a respiração de quem as recebe, têm de rebentar na cara de quem as lê. O amor e o terrorismo são questões de objectivo, e não de grau.


Como estamos todos a zero, ninguém pode dar conselhos a ninguém. Há séculos que as maiores cabeças do mundo procuram a frase perfeita de apresentação. Há as deixas rascas, do género «Deixe-me adivinhar o seu signo» ou «Não costuma cá estar às terças-feiras, pois não?». Há as deixas pirosas, do género «Importa-se que eu lhe diga que você é muito bonita?» ou «Posso só dizer-lhe uma coisa? O seu namorado tem muita sorte!». Depois, há as deixas supostamente cool, do tipo «O meu nome é Max e eu toco sax» ou, mais formal, «Muito prazer, Luís Bobone, toco saxofone». Ultimamente, a julgar por recentes exemplos, é moda usar deixas crípticas, do género «Então sempre conseguiu resolver aquilo?» ou «Importa-se de me segurar a bebida enquanto eu olho para si? É que pode apetecer-me bater palmas» ou ainda (versão 1987) «Não se importa de ficar aqui comigo um bocadinho enquanto o meu guarda-costas não volta da casa de banho?».
Todo o amor é um engano. Trata-se é de nos enganarmos bem.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Os Meus Problemas'

4 comentários:

AC disse...

Adoro o Mec, este é mais um texto daqueles que de tão real toca-nos profundamente.Eu gosto particularmente quando ele diz " Todo o amor é um engano.Trata-se é de nos enganarmos bem", grande verdade!

Algures disse...

Atenciosa,

É de facto delicioso ler textos do MEC, tal é a forma como ele expõe as situações, que nos são tão reais e quotidianas. Sim, o amor pode ser um engano, até porque muitas vezes é o que ele faz - engana a razão!

Beijinhos*

Manuela Caeiro disse...

Não estão enumeradas todas as "bocas" clássicas..., mas encontra-se aqui uma amostra muito divertida e significativa!... :-)
Concordo: o amor "é cego" e tolda a razão...
Discordo: pode não ser um engano..., mas diverso e difícil é manter acesa uma relação...

Algures disse...

Sem dúvida Manuela!
Estou plenamente de acordo consigo, nomeadamente no que diz relativamente à dificuldade que é a de manter acesa uma relação...